Friday, February 25, 2005

MATEUS

Fonte: ESTADO DE MINAS
COLUNA OPINIÃO - QUINTA-FEIRA, 17 DE FEVEREIRO DE 2005
PATRUS ANANIAS
Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
As relações fraternas entre as famílias permitiram que eu o conhecesse na infância. Cresceu junto com os meus filhos e foi uma forte referência nageração que agora vai se avizinhando e já mesmo ultrapassando a casa dos30.
Mateus Afonso Medeiros foi bom e brilhante desde o começo. À força de umainteligência privilegiada, somou o gosto pelo estudo, pela reflexãocrítica, pelo conhecimento comprometido com os valores éticos e existenciais.Desde a adolescência tocou-o de maneira especial a causa dos direitos humanos em toda a sua extensão e profundidade. Direitos e liberdades individuais, direitos da pessoa, mas também direitos sociais, coletivos, direitos dospovos e das nações. Assim, Mateus encontrou nos estudos jurídicos umcurso natural para o estuário de sua vocação e dos seus compromissos. Advogado,depois de algumas andanças atentas pelo mundo - estava nos Estados Unidosquando ocorreram os dramáticos atentados de 11 de setembro de 2001 e nosenviava preciosos comentários sobre aqueles acontecimentos e seusdesdobramentos na sociedade daquele país -, Mateus fixou-se em Brasília,quando foi aprovado em concurso público nacional para assessor da Câmarados Deputados. Leitor refinado, foi desdobrando os conhecimentos jurídicosnos ensinamentos da história, da política - nas suas dimensões práticas eteóricas -, da filosofia. A literatura esteve com ele desde a infância, parte constitutiva que é da vida dos pais que lhe passaram, além do gosto pela boa leitura, a leveza e a elegância do texto.Quando fui para Brasília exercer o mandato de deputado federal, os nossoslaços se estreitaram. Tínhamos reuniões semanais para discutirmos asprioridades e projetos do trabalho parlamentar, questões jurídicas edesafios políticos. Já estava então fazendo o mestrado em ciênciapolítica na Universidade de Brasília. Com essas conversas e com os livros que meemprestou, enriqueceu a minha compreensão da história do Brasil. Muitojovem, já era um mestre, sem jamais pretender sê-lo; discreto, sorrisoleve, acolhedor.
Ministro, convidei-o a viver no Executivo nacional uma nova experiência.O meu desejo era tê-lo como assessor para assuntos vários einterdisciplinares. Cada vez mais afloram os problemas e possibilidades que transcendem as áreas específicas. São os temas jurídicos que pedem uma compreensão política na perspectiva do bem público, da justiça social.São os meandros da política que buscam as luzes da ética, os ensinamentos dahistória, a apreensão dos procedimentos técnicos e científicos, ameditação filosófica. São as políticas sociais que demandam novas leituras,integração e complementaridade.
Mateus, na sua madura juventude, era a pessoa para ajudar-me na tarefaárdua mas fascinante. Entraves burocráticos da Câmara impossibilitaram, naquelemomento, a sua ida. No contexto das modificações que fizemos noMinistério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, reiterei minha decisão de queMateus se incorporasse à nossa equipe. Iria às últimas conseqüências,dentro dos procedimentos legais, para aceitar as exigências da Câmara, ainda queconsiderando excessivas. Chegou a participar de algumas reuniões ecumprir algumas tarefas conosco. Foi tudo. A morte veio antes. Prematura, brutal,inesperada. Aos olhos limitados da nossa frágil condição humana, diriamais: injusta. Injusta com Mateus na sóbria e generosa mocidade dos 29 anos;injusta com aqueles que o amavam e continuam amando; injusta com todosaqueles que sonham e trabalham por um Brasil e um mundo melhores. Mateus era um grande combatente das boas causas. Nele, a inteligência e a bondade seencontravam em paz. Mateus nos deixa a sofrida, mas doce e fecunda,lembrança de sua presença e seguramente nos faz um apelo - ele que foivítima da violência insensata do trânsito: vamos colocar a vida comovalor mais alto, no centro da organização social e vamos por um paradeiro aessas mortes bestas e estúpidas dos nossos moços. Ainda que a gente saiba que odestino ou, aos olhos da fé, os desígnios de Deus, esteja além da nossalimitada compreensão. Mas existe um espaço, uma responsabilidade e umaescolha que nos pertencem. Assim, a ausência física de Mateus paira sobrenós como dolorosa interrogação. Que a nossa resposta seja, em suamemória, a construção no Brasil de uma sociedade em que todas as condições sejamasseguradas para impedir, nos limites das possibilidades humanas, que aspessoas morram injusta e precocemente.